terça-feira, fevereiro 15, 2005

No Abraço do Teu Olhar ! ...

Era suposto este conto ter como tema A PRESENÇA HUMANA NA ARQUITECTA, para assim ser submetido a uma classificação. Classificação essa que me iria dizer se passei à cadeira ou não. Pois bem...
Aqui está a minha mais recente criação:

“Tem piedade, dá-me uma moeda, tenho fome e não tenho nada para comer!”
Sim e depois? Que tenho eu a ver com isso? Por acaso o facto de ter fome e de não ter nada para comer dá-lhe o direito de se “colar” a mim e me importunar com os seus lamentos?! E mais, de me tratar por tu, como se nos conhecêssemos?!
É impressionante como o Largo do Chiado reúne sempre uma multidão de mendigos; quase parece o ponto de encontro dos sem abrigo.
Depois de ter ganho a corrida no labirinto de mendigos da Rua Garrett, consegui finalmente chegar ao meu destino: Armazéns do Chiado. Adoro toda esta época natalícia: as inúmeras luzes espalhadas por toda a cidade, árvores e árvores de Natal que ali são colocadas para benefício dos mais necessitados, todas as festas sociais também elas a favor da beneficiação, todas as roupas alusivas ao Natal, os cheiros enfim, tudo me encanta!
E foi com todo o meu ser de materialista que entrei no mais mediático Armazém de Lisboa. Devo referir o facto de estar uma tarde de Dezembro bem bonita; atrevo-me até a dizer que era uma pena desperdiçar assim uma tarde numa sessão de compras. Ainda assim, o dia 25 estava a chegar a passos largos e a vontade de gastar uns euritos era mais que muita. Por isso mãos à obra.
Comprei tanta coisa que os sacos quase não se seguravam nas mãos. E foi precisamente esta imagem que me fez acordar para a realidade: eu a sair dos Armazéns do Chiado, pronta a subir a rua e a passar novamente por todos os sem abrigo até chegar ao meu carro. Foi nesse momento que me deparei com um senhor que estava deitado no chão encolhido com frio. Naquele instante, e ao deparar-me com tal cenário, era como se me tivessem dado um valente soco no estômago. Senti-me tão pequenina e tão estúpida que a minha vontade era esconder-me.
Eu estava ali bem vestida, com boas roupas e quentinha desde os pés até à cabeça, cheia de sacos e sacos nas mãos. Do lado oposto, e mesmo à minha frente, estava aquele senhor, deitado no chão prestes a passar um Natal não só com frio mas com uma ausência enorme do seu significado.
Senti-me tão mal que se apoderou de mim um instinto de tirar o xaile que tinha por cima do casaco e colocá-lo por cima do mendigo. Ao mesmo tempo senti-me estranha e comecei a subir a rua como se tivesse perdida no tempo e no espaço. Subi o mais rápido que pude. Tinha a sensação de estar a ser observada por toda a gente.
Já novamente no Largo do Chiado entro na Igreja Italiana da Nossa Senhora do Loreto. Ali sentada no último banco começo a inundar-me de pensamentos. Fiz a maior retrospectiva da minha vida e tudo graças a algo que eu própria não sei explicar.
Reflecti o quanto sou egoísta e egocêntrica; talvez seja até por isso que ainda me encontro sozinha nesta vida. Já com 38 anos sou a única pessoa no meu ciclo de amigos que ainda não se casou.
E foi precisamente ali, a olhar para todas as imagens dos santos que aquela Igreja tinha que chorei durante largos minutos. Chorei por me sentir tão pequena, tão mesquinha. É impressionante como todas aquelas imagens, perfeitas obras arquitectónicas, olhavam para mim e me julgavam como se de pessoas reais se tratasse.
Após um período de lamentação, rezei à minha maneira (nunca fui à catequese e só tinha entrado em Igrejas para ir a Casamentos ou Baptizados), pedindo perdão a um Deus em cuja existência começava agora a acreditar, pedindo-lhe que me ajudasse a ser uma pessoa melhor para com os outros e a encontrar um homem que me faça mudar. Peguei nos sacos e fui coloca-los no carro. Com tudo o que tinha acontecido nem me fui apercebendo que as horas também passavam.
Como te tinha prometido de ir ver a tua peça de teatro que estava em exibição no Teatro Municipal S. Luiz, já nem fui a casa. O meu jantar ficou limitado a uma tosta mista e um sumo de laranja no “Café do Teatros”. O “Café dos Teatros” é um espaço que fica junto do Teatro S. Luiz, na Rua António Maria Cardoso. Um bom local para se descontrair e se estar a par de todos os eventos que estão na berra.
Acabei de jantar e a hora da peça chegou e, tendo pago, fui embora.
Foi engraçado! Fui apanhada de surpresa! Assim que saí do café em direcção ao Teatro fui logo absorvida por um nervosismo acompanhado de uma ânsia inexplicável. Sentimentos estes tão súbitos quanto estranhos, pensei!
Após algum tempo de espera, eis que chegou a minha vez na bilheteira. Respirei fundo e com um ar confiante disse que ia levantar um bilhete que estava reservado em teu nome. A moça lá teclou, até que um pequeno papel azul timbrado com um logótipo nada original a dizer “ Teatro S. Luiz “ começou a sair. Blá, blá, blá e mais a baixo, para o lado direito do dito papel azul, conseguia ler-se “convite”: EXCELENTE!!! Ainda assim talvez não tão surpreendente visto que quase te obriguei a convidar-me.
Comecei a sentir o nervosismo a atacar-me mais e mais... Mas porquê?
Começou a peça! Aqui estou eu presente mais uma vez para ver as tuas habilidades em palco... Ri, gargalhei, bati palmas. És um homem muito engraçado!
E ao fim de não sei quanto tempo de risada, a peça acabou. Manifestei, pessoalmente, um certo contentamento, devo confessar. É que de tanto rir durante toda a actuação, as bochechas e os abdominais passaram a músculos doridos.
Toda a assistência de pé, a bater palmas, vocês no palco repletos de uma felicidade provocada pelo bom desenrolar da peça.
E eu?! Eu tinha de ir à tua procura, saber por onde andavas. Tinha de te agradecer. Tinha de te ver bem pertinho de mim. Tinha de te abraçar.
Foi então que perguntei a um senhor, pouco simpático por sinal, que me ia respondendo com sete pedras na mão e com uma enorme ausência de um bonito e espontâneo sorriso, como poderia eu chegar até ti.
Encontrei a divisão que o “senhor simpatia” me tinha falado. A sala existia de facto. Talvez tivesse julgado mal aquele personagem ainda que possuísse um ar rude. Pedi para te chamarem e passado pouco tempo apareceste diante de mim com um ar latente de felicidade. O olhar de “El Matador“ que tinhas presente provocou-me uma impotência momentânea.
Despiu-me e fez-me sentir tão incapaz quanto compenetrada, tão perdida quanto estupefacta. Acabaste comigo só com aquele olhar.
Foi como se tivesses entrado dentro da minha pessoa. Naquele momento a fome no mundo deixou de existir, as drogas deixaram de ser uma preocupação, a saída do Dr. Durão Barroso do Governo para a Presidência da Comissão Europeia deixou de ser notícia de última hora. O que importava era aquele olhar. O que foi “dito” através dele. Tudo mudou!
Falámos um pouco sobre a peça, agradeci o “convite” e retribuíste por eu ter aparecido. Foi então que me deste um abraço terno, doce. Posso dizer que foi o chi-coração mais apertado que recebi nos últimos tempos. Tu és muito querido! És mesmo muito querido!
Parece que estava escrito que tudo isto tinha de acontecer e o presságio foi o nervosismo que se apoderou de mim assim que saí do café. Fui para casa confusa quanto aos meus sentimentos. Serás tu o homem que me vai fazer mudar?! Será?!
Não sei! As duas únicas coisas que tenho a certeza e das quais posso falar são: em primeiro lugar da presença humana em toda aquela obra arquitectónica que me auxiliou e que de alguma forma me transformou; em segundo lugar, e de uma maneira curiosa, acho que posso pela primeira vez referir o dia exacto em que me apaixonei por alguém. É, de facto, impressionante como um pequeno olhar pode mudar tudo. Tudo se altera! A maneira de ver as coisas, de as sentir, de te sentires a ti próprio!
Não há dúvida que esse monstruoso e assustador sentimento que os mais alucinados chamam de AMOR é um doce veneno de se tomar e uma amargura adocicada de se sentir. Como é que duas contradições tão grandes podem dar ao Homem um prazer de tal forma grandioso?
Sem dúvida que, neste mundo de imortais, encontra-se muita coisa para a qual não existe explicação: o Amor e A PRESENÇA HUMANA NA ARQUITECTURA!

by Segundo zUm

1 Comments:

Blogger saviol said...

Isto também me é familiar! :D

sábado, 19 fevereiro, 2005  

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